Deficiência de Alfa-1-antitripsina

Dra. Adriana Maria Alves De Tommaso

DEFINIÇÃO

   A alfa-1-antitripsina (A1AT) é uma glicoproteína de 52 kDa produzida principalmente pelos hepatócitos que liberam diariamente cerca de 2g da proteína na circulação. A principal função da A1AT é inibir a elastase neutrofílica, uma protease de serina que tem a capacidade de hidrolisar as fibras de elastina no pulmão. Entretanto, devido a alterações da estrutura proteica causadas por mutações em seu gene, algumas vezes a proteína perde sua capacidade inibitória ou se agrega em forma de corpúsculo de inclusão nos hepatócitos, ocasionando a diminuição dos seus níveis séricos normais.

   Essa deficiência é refletida no pulmão sob a forma de enfisema, bronquite crônica ou bronquectasia. No fígado, o acúmulo da proteína mutante nos hepatócitos pode levar à colestase neonatal, hepatopatia crônica ou cirrose.

GENÉTICA

   O gene da A1AT é altamente polimórfico, tem expressão co-dominante e localiza-se no braço longo do cromossomo 14 (14q 31-32.3). Atualmente, já foram descritas mais de 75 variantes alélicas. Elas são identificadas pelo método da fenotipagem, feito através de focalização isoelétrica do soro entre o pH 4 (ânodo) e o pH 5 (cátodo) em gel de poliacrilamida. Dessa maneira, os alelos são separados de acordo com suas diferentes cargas elétricas e designados com letras do alfabeto (A-Z) de acordo com seu ponto isoelétrico. As variantes comuns migram no meio do gel e, por isso, são chamadas de pertencentes à família M (“middle”). Por outro lado, a variante deficiente, originalmente descrita em 1963 por Laurell e Eriksson, migra em direção ao cátodo e recebe a denominação Z. A variante S recebe esse nome devido apresentar mobilidade lenta (“slow”) no gel. Esse “locus” polimórfico recebe o nome de sistema Pi (inibidor de proteases).

   A maioria das variantes determina quantidade e qualidade normal da proteína. Por outro lado, existem os alelos associados com o estado deficiente tais como as variantes S e Z que atingem freqüências polimórficas em populações caucasóides e o alelo nulo onde se observa falta total de produção da proteína.

   O alelo S resultou de uma substituição (adenina por timina) no éxon III do gene, o que levou a uma troca do ácido glutâmico na posição 264 por uma valina e a conseqüente formação de uma proteína de estrutura instável. As moléculas liberadas para corrente sangüínea inibem a elastase dentro de um limite que, embora próximo, é inferior à normalidade ( leva 5 vezes mais tempo que a variante normal ). É associada a níveis séricos de 100-200 mg/dl, os quais podem ser suficientes para proteger o pulmão. Se associado a variante Z ou nula Þ produção insuficiente Þ sujeito a doença pulmonar.

   O alelo Z surgiu da troca de uma guanina na posição 342 por adenina no éxon V do gene, o que levou à formação de uma proteína que se agrega no interior do retículo endoplasmático rugoso dos hepatócitos. A quantidade de proteína produzida é funcionante porém, menos eficiente em inibir a elastase (leva 12 vezes mais tempo que a variante normal para inibir a mesma quantidade de elastase). Associa-se a: níveis séricos ¯ (15-50 mg/dl ), lesão pulmonar, hepática e cutânea.

DIAGNÓSTICO

   O diagnóstico dos estados deficientes é geralmente realizado através da dosagem sérica da proteína associada à eletroforese da mesma em gel de focalização isoelétrica. A eletrofeorese de proteínas séricas tem sido usada como exame de triagem porém, pode apresentar resultado normal mesmo nos estados de deficiência pois, a A1AT é uma proteína de fase ativa e pode aumentar na vigência de processos inflamatórios ou infecciosos bem como, uso de corticosteróides e estrógenos. Para um diagnóstico de maior precisão pode ser realizada a investigação do gene utilizando-se técnicas de análise de DNA (fenotipagem- eletroforese em pH ácido ou foco isoelétrico ou genotipagem- análise do DNA pelo método de PCR (reação em cadeia da polimerase).

HISTOLOGIA

   Glóbulos eosinofílicos no fígado de 1 – 40m, PAS+ após digestão pela diástase (geralmente detectáveis após 12 semanas de vida). Achados mais comuns: lesão hepatocelular com ou sem transformação gigantocelular, ductos biliares normais com leve inflamação, vários graus de fibrose e proliferação ductular e hipoplasia de ductos intra-hepáticos.

PATOGÊNESE

Lesão pulmonar:

  • reduz a1AT no trato respiratório baixo > dificuldade de neutralizar proteases > agressão proteolítica da matriz dos ácinos e perda progressiva da estrutura > enfisema panacinar.

Lesão hepática:

  • não perfeitamente elucidada
  • 3 teorias: (1) desequilíbrio protease- antiprotease; (2) resposta imune anormal contra Ag hepáticos; (3) lesão por acúmulo e degradação da proteína mutante

DOENÇA HEPÁTICA NA INFÂNCIA (PiZZ)

  • mais comum: hepatite aguda no neonato; cirrose é raro
  • hepatite neonatal “idiopática” => 5 a 10% deficiência A1AT

Prognóstico e Evolução:

  • Apenas 10% PiZZ evoluem para doença hepática (cirrose em 10-50% casos)
  • Pi ZZ => associado à gravidade e duração da disfunção hepática aguda
  • Melhor parâmetro individual: histologia
  • Histologia inicial com fibrose leve => melhora
  • Histologia inicial com fibrose grave e proliferação ductal => cirrose com hipertensão portal nos 3 primeiros anos de vida
  • Histologia inicial com hipoplasia ductal => persistência da colestase => fibrose portal

Tratamento:

  • Difere de acordo com as manifestações clínicas
  • Doença pulmonar:
    • medidas diretas e preventivas para reduzir elastase neutrofílica
    • evitar fumo
    • tratamento precoce da infecção pulmonar
    • vacinação
    • terapia de reposição (ProlastinR) > 60 mg/kg, 1 vez por semana
  • Doença hepática:
    • ácido ursodeoxicólico
    • suporte nutricional : 100-150 cal/kg/d; 3 g proteína/kg/d; triglicérides de cadeia média ou gordura de côco
    • vitaminas: A, D, E e K
    • controle das manifestações de hipertensão portal
    • transplante hepático

Artigo criado em: 2003
Última atualização: 2003