INTRODUÇÃO

Hemangiomas são os tumores benignos mais comuns no fígado, sendo encontrado em até 20% das pessoas. São malformações vasculares (a descrição mais simples seria a de um “novelo de veias” de aspecto esponjoso) que se forma durante o desenvolvimento do fígado e crescem aos poucos com a idade. Na grande maioria das pessoas são descobertos em algum exame de rotina ou pedido por outro motivo e nunca vão causar sintomas ou complicações durante toda a vida. Uma informação que tem que ficar bem clara para todos os portadores de hemangiomas é que eles não são nem se transformam em câncer, não tem nenhum relação com a dieta e não exigem qualquer tipo de repouso.

Os hemangiomas são três vezes mais comuns em mulheres que em homens, e hormônios podem estimular seu crescimento. Geralmente são únicos, mas em 40% dos casos podem ser múltiplos, na maioria localizados no lobo direito do fígado. Podem variar bastante de tamanho, de 1 mm até 50 cm, sendo que hemangiomas maiores que 10cm (ou, dependendo do autor, 5cm) são chamados de “gigantes”.

SINTOMAS
Sintomas geralmente dependem diretamente do tamanho e da localização do hemangioma. Nódulos menores que 5 cm raramente causam sintomas, independente de onde estão. Lesões maiores podem distender a cápsula do fígado e causar desconforto. Se estiveram em contato com o estômago, podem apertar o órgão e causar sensação de peso ou de dificuldade de digerir os alimentos. No entanto, como o hemangioma tem consistência esponjosa (o sangue nele fica sob baixa pressão), geralmente não aperta nenhuma estrutura importante como as veias ou canais da bile, a não ser que seja muito grande. Raramente, pode ocorrer febre, icterícia, hemobilia (se o hemangioma se rompe num dos canais da bile, causando hemorragia) ou insuficiência cardíaca pela formação de shunts (“curto circuitos”).

Uma situação extrema causada por hemangiomas (incluindo os do fígado) é a chamada síndrome de Kasabach–Merritt, onde uma hemangioma é tão grande que a quantidade de sangue acumulada começa a coagular, levando a consumo de plaquetas e fatores de coagulação dentro do hemangioma, enquanto que no reto do organismo acontecem sangramentos que podem ser maciços. Essa síndrome ocorre mais em recém nascidos com hemangiomas gigantes e chega a ter até 30% de mortalidade, mas pode acontecer em 26% das pessoas com hemangiomas maiores que 15 cm.

Uma preocupação constante de portadores é a de que o hemangioma se rompa espontaneamente ou após um acidente, causando hemorragia interna. Isso só acontece quando o tumor fica bem na superfície do fígado e é gigante, e mesmo assim o risco é mínimo (0,47%), o que não justifica cirurgia ou qualquer tratamento preventivo, já que é mais seguro só observar.

Hemangiomas tendem a crescer com a idade. Geralmente crescem até os 30 anos, e crescem mais relacionados a gravidez ou uso de anticoncepcionais, mas não há uma contra indicação ao seu uso em portadores de hemangiomas. De modo geral, espera-se um crescimento médio anual de 2mm (linear) ou 17,4% (volume).
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico do hemangioma hepático costuma ser simples. Geralmente é observado em exames de imagem como uma massa com contornos bem definidos. Quando se injeta contraste, ele enche primeiro as cavidades de sangue na periferia, e depois o contraste enche o resto do tumor da periferia para dentro (em 3 a 4 minutos), deixando o centro geralmente com pouco (ou nenhum) contraste.

Nem sempre esse padrão acontece, alguns são difíceis de diagnosticar, mas são a exceção. É importante tem em mente que a grande maioria dos hemangiomas hepáticos são descobertos em ultrassonografia de rotina e são pequenos, aparecendo como lesões arredondadas, muitas vezes descritas como em aspecto de nuvem. Em um fígado normal, uma lesão sólida geralmente é um hemangioma. Já no fígado com cirrose, a primeira suspeita sempre é de um hepatocarcinoma.

Infelizmente, o ultrassom consegue encontrar a maioria dos hemangiomas no fígado (96,9% de sensibilidade), mas não é muito bom em dizer se aquela lesão é realmente um hemangioma (tem especificidade de apenas 60,3%, ou seja, para cada 100 diagnósticos de hemangiomas no ultrassom, quase 40 são outra coisa. Mesmo assim, se o fígado é normal (não tem cirrose), a lesão é típica ao ultrassom e mede menos de 3 cm, considera-se que não há necessidade de realizar outros exames. Fora dessas condições, o próximo passo é realizar um exame radiológico com contraste.

A tomografia não é muito melhor que o ultrassom (sensibilidade de 98,3% e especificidade de 55%), mas quando a lesão é típica geralmente é considerado suficiente. Em caso de dúvida, a ressonância com contraste tem uma sensibilidade de 90-100% e especificidade de 91-99%. Raramente, a angiografia pode ser necessária em caso de dúvida quando a lesão for realmente fora do comum, mas não há indicação de biópsia na suspeita de hemangioma, porque não ajuda e há alto risco de hemorragia.
Outras modalidades de exames podem ser usadas, mas geralmente não são usadas nessa situação por não serem amplamente disponíveis. A cintilografia com hemácias marcadas pode alcançar sensibilidade de 82%, com especificidade próxima de 100%. O SPECT (single-photon emission computerized tomography) é uma modalidade de tomografia mais utilizada para pacientes com câncer e é altamente específica para o hemangioma, mas com uma sensibilidade menor e custo bastante elevado.
TRATAMENTO
Só é indicado tratamento quando um hemangioma apresenta sintomas ou complicações (como hemorragia). Muitas vezes é difícil definir quando um sintoma é causado pelo hemangioma, já que a maioria deles é inespecífico (como dor ou desconforto do lado direito, digestão lenta, náuseas, etc.) e podem ser causados por outras condições, como gastrite, úlcera, colelitíase, refluxo e síndrome do intestino irritável. O tamanho do hemangioma em si não é indicação de tratamento.

A cirurgia é recomendada na maioria dos casos sintomáticos, seja por ressecção ou enucleação. Essas técnicas podem ser realizadas por videolaparoscopia com menor tempo de internação, dor e sangramento, e a decisão da técnica depende da experiência do cirurgião, do número, tamanho e localização dos hemangiomas.

Um tratamento não cirúrgico cada vez mais utilizado é a embolização do tumor. O radiologista passa um cateter por uma veia, que chega até o vaso que fornece sangue para o hemangioma. Então o radiologista pode ou não injetar uma substância esclerosante (para “queimar”), seguida de outra substância (como pedacinhos de espuma) que entope o vaso. Isso faz com que o hemangioma regrida com o tempo.

Outro tratamento minimamente invasivo é a ablação por radiofrequência. Nesse tratamento, uma agulha (que é introduzida na lesão guiada por ultrassom ou tomografia) esquenta e queima o hemangioma. Infelizmente, só é recomendada em tumores menores que 5 cm, que geralmente não causam sintomas e, portanto, geralmente não precisam de nenhum tratamento.
ACOMPANHAMENTO
Hemangiomas assintomáticos e pequenos (menores de 5 cm) que não crescem (ou até 3mm) em 1 ano podem não precisar de acompanhamento, embora um ultrassom de rotina a cada 2-3 anos seja uma aposta segura e de baixo custo. Isso inclui a grande maioria das pessoas, já que hemangiomas são geralmente pequenos, únicos, descobertos por acaso e apenas 40% deles crescem depois que foram diagnosticados. No caso de tumores assintomáticos maiores que 5cm, recomenda-se um exame de imagem contrastado (tomografia ou ressonância) a cada 6-12 meses apenas enquanto estiver crescendo. Quando ele estabiliza, o ultrassom é suficiente para acompanhar e indicar nova exame contrastado se voltar a crescer ou mudar de aspecto.

No caso de hemangiomas sintomáticos, primeiro é preciso ter certeza de que os sintomas são causados pelo tumor, senão o risco de passar por um procedimento invasivo e não melhorar em nada é grande. Se os sintomas são comprovados, prefere-se um tratamento não invasivo, embora as opções viáveis de tratamento variem de caso a caso. Assim, o acompanhamento por um especialista na área é primordial, sendo muitas vezes necessária a avaliação conjunta por um hepatologista, um cirurgião e um radiologista intervencionista para decidir qual a melhor conduta.

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Artigo criado em: 02/10/05
Última revisão: 28/03/23