Hemangiomas Hepáticos

Dr. Stéfano Gonçalves Jorge

INTRODUÇÃO

Hemangiomas são os tumores benignos mais comuns no fígado, sendo encontrado em até 20% das pessoas. São malformações vasculares (a descrição mais simples seria a de um “novelo de veias” de aspecto esponjoso) que se forma durante o desenvolvimento do fígado e crescem aos poucos com a idade. Na grande maioria das pessoas são descobertos em algum exame de rotina ou pedido por outro motivo e nunca vão causar sintomas ou complicações durante toda a vida. Uma informação que tem que ficar bem clara para todos os portadores de hemangiomas é que eles não são nem se transformam em câncer, não tem nenhum relação com a dieta e não exigem qualquer tipo de repouso.

Já viu manchas vermelhas de nascença em bebês, que tendem a desaparecer com o tempo mas podem permanecer por toda a vida ? São hemangiomas, localizados na pele.

Os hemangiomas são três vezes mais comuns em mulheres que em homens, e hormônios podem estimular seu crescimento. Geralmente são únicos, mas em 40% dos casos podem ser múltiplos, na maioria localizados no lobo direito do fígado. Podem variar bastante de tamanho, de 1 mm até 50 cm, sendo que hemangiomas maiores que 10cm (ou, dependendo do autor, 5cm) são chamados de “gigantes”.

Hemangiomas podem ser capilares (pequenos), esclerosantes (que se degeneraram e ficaram fibrosos) e, mais comumente, cavernomatososos. Imagine que, antes de você nascer, durante a formação do seu fígado, houve um erro e se formou um novelinho de veias no interior do órgão. Com o passar dos anos, essas veias vão se dilatando e enchendo de sangue.

SINTOMAS

Sintomas geralmente dependem diretamente do tamanho e da localização do hemangioma. Nódulos menores que 5 cm raramente causam sintomas, independente de onde estão. Lesões maiores podem distender a cápsula do fígado e causar desconforto. Se estiveram em contato com o estômago, podem apertar o órgão e causar sensação de peso ou de dificuldade de digerir os alimentos. No entanto, como o hemangioma tem consistência esponjosa (o sangue nele fica sob baixa pressão), geralmente não aperta nenhuma estrutura importante como as veias ou canais da bile, a não ser que seja muito grande. Raramente, pode ocorrer febre, icterícia, hemobilia (se o hemangioma se rompe num dos canais da bile, causando hemorragia) ou insuficiência cardíaca pela formação de shunts (“curto circuitos”).

Grandes espaços cheios de sangue no hemangioma cavernomatoso (o nome vem desses grandes espaços, que se assemelham a cavernas).

Uma situação extrema causada por hemangiomas (incluindo os do fígado) é a chamada síndrome de Kasabach–Merritt, onde uma hemangioma é tão grande que a quantidade de sangue acumulada começa a coagular, levando a consumo de plaquetas e fatores de coagulação dentro do hemangioma, enquanto que no reto do organismo acontecem sangramentos que podem ser maciços. Essa síndrome ocorre mais em recém nascidos com hemangiomas gigantes e chega a ter até 30% de mortalidade, mas pode acontecer em 26% das pessoas com hemangiomas maiores que 15 cm.

Hemangioma grande visto na superfície do fígado durante cirurgia laparoscópica

Uma preocupação constante de portadores é a de que o hemangioma se rompa espontaneamente ou após um acidente, causando hemorragia interna. Isso só acontece quando o tumor fica bem na superfície do fígado e é gigante, e mesmo assim o risco é mínimo (0,47%), o que não justifica cirurgia ou qualquer tratamento preventivo, já que é mais seguro só observar.

Hemangiomas hepáticos crescem mais durante uso de hormônios e na gravidez. Mesmo assim, não há contraindicação a usar anticoncepcionais ou a engravidar, já que o risco de complicações de hemangiomas é muito pequeno. Também não há indicação de parto normal ou cesárea. Mesmo assim o bom senso é tratar hemangiomas sintomáticos antes de pensar em engravidar.

Hemangiomas tendem a crescer com a idade. Geralmente crescem até os 30 anos, e crescem mais relacionados a gravidez ou uso de anticoncepcionais, mas não há uma contra indicação ao seu uso em portadores de hemangiomas. De modo geral, espera-se um crescimento médio anual de 2mm (linear) ou 17,4% (volume).

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico do hemangioma hepático costuma ser simples. Geralmente é observado em exames de imagem como uma massa com contornos bem definidos. Quando se injeta contraste, ele enche primeiro as cavidades de sangue na periferia, e depois o contraste enche o resto do tumor da periferia para dentro (em 3 a 4 minutos), deixando o centro geralmente com pouco (ou nenhum) contraste.

Padrão do contraste na ressonância em um hemangioma gigante (fonte)

Nem sempre esse padrão acontece, alguns são difíceis de diagnosticar, mas são a exceção. É importante tem em mente que a grande maioria dos hemangiomas hepáticos são descobertos em ultrassonografia de rotina e são pequenos, aparecendo como lesões arredondadas, muitas vezes descritas como em aspecto de nuvem. Em um fígado normal, uma lesão sólida geralmente é um hemangioma. Já no fígado com cirrose, a primeira suspeita sempre é de um hepatocarcinoma.

Pequeno hemangioma observado no ultrassom (fonte)

Infelizmente, o ultrassom consegue encontrar a maioria dos hemangiomas no fígado (96,9% de sensibilidade), mas não é muito bom em dizer se aquela lesão é realmente um hemangioma (tem especificidade de apenas 60,3%, ou seja, para cada 100 diagnósticos de hemangiomas no ultrassom, quase 40 são outra coisa. Mesmo assim, se o fígado é normal (não tem cirrose), a lesão é típica ao ultrassom e mede menos de 3 cm, considera-se que não há necessidade de realizar outros exames. Fora dessas condições, o próximo passo é realizar um exame radiológico com contraste.

Tomografia mostrando o padrão típico do contraste à medida que ele avança de “a” para “d” (fonte)

A tomografia não é muito melhor que o ultrassom (sensibilidade de 98,3% e especificidade de 55%), mas quando a lesão é típica geralmente é considerado suficiente. Em caso de dúvida, a ressonância com contraste tem uma sensibilidade de 90-100% e especificidade de 91-99%. Raramente, a angiografia pode ser necessária em caso de dúvida quando a lesão for realmente fora do comum, mas não há indicação de biópsia na suspeita de hemangioma, porque não ajuda e há alto risco de hemorragia.

Outras modalidades de exames podem ser usadas, mas geralmente não são usadas nessa situação por não serem amplamente disponíveis. A cintilografia com hemácias marcadas pode alcançar sensibilidade de 82%, com especificidade próxima de 100%. O SPECT (single-photon emission computerized tomography) é uma modalidade de tomografia mais utilizada para pacientes com câncer e é altamente específica para o hemangioma, mas com uma sensibilidade menor e custo bastante elevado.

TRATAMENTO

Só é indicado tratamento quando um hemangioma apresenta sintomas ou complicações (como hemorragia). Muitas vezes é difícil definir quando um sintoma é causado pelo hemangioma, já que a maioria deles é inespecífico (como dor ou desconforto do lado direito, digestão lenta, náuseas, etc.) e podem ser causados por outras condições, como gastrite, úlcera, colelitíase, refluxo e síndrome do intestino irritável. O tamanho do hemangioma em si não é indicação de tratamento.

Enucleação de hemangioma hepático. A e B mostram lesão na tomografia, e C alesão na borda do fígado na laparoscopia. A cirurgia é realizada em D-F e G e H mostram a tomografia pós operatória (fonte)

A cirurgia é recomendada na maioria dos casos sintomáticos, seja por ressecção ou enucleação. Essas técnicas podem ser realizadas por videolaparoscopia com menor tempo de internação, dor e sangramento, e a decisão da técnica depende da experiência do cirurgião, do número, tamanho e localização dos hemangiomas.

Hemangioma hepático embolizado seguido por 3 anos. À esquerda, tomografias de antes, 2 meses após e 3 anos após o procedimento, mostrando a redução progressiva do tumor. À direita, angiografia mostrando o procedimento.

Um tratamento não cirúrgico cada vez mais utilizado é a embolização do tumor. O radiologista passa um cateter por uma veia, que chega até o vaso que fornece sangue para o hemangioma. Então o radiologista pode ou não injetar uma substância esclerosante (para “queimar”), seguida de outra substância (como pedacinhos de espuma) que entope o vaso. Isso faz com que o hemangioma regrida com o tempo.

Mais daquele mesmo caso do bebê de 19 dias com síndrome de Kasabach–Merritt, mostrando o resultado do tratamento com embolização. A: quadro grave da síndrome. B: angiografia mostrando que o hemangioma tinha 4 vasos nutridores que foram embolizados. C: angiografia pós embolização, mostrando que o tratamento foi eficaz. D: criança de 10 meses, com resolução da doença (fonte)

Outro tratamento minimamente invasivo é a ablação por radiofrequência. Nesse tratamento, uma agulha (que é introduzida na lesão guiada por ultrassom ou tomografia) esquenta e queima o hemangioma. Infelizmente, só é recomendada em tumores menores que 5 cm, que geralmente não causam sintomas e, portanto, geralmente não precisam de nenhum tratamento.

ACOMPANHAMENTO

Hemangiomas assintomáticos e pequenos (menores de 5 cm) que não crescem (ou até 3mm) em 1 ano podem não precisar de acompanhamento, embora um ultrassom de rotina a cada 2-3 anos seja uma aposta segura e de baixo custo. Isso inclui a grande maioria das pessoas, já que hemangiomas são geralmente pequenos, únicos, descobertos por acaso e apenas 40% deles crescem depois que foram diagnosticados. No caso de tumores assintomáticos maiores que 5cm, recomenda-se um exame de imagem contrastado (tomografia ou ressonância) a cada 6-12 meses apenas enquanto estiver crescendo. Quando ele estabiliza, o ultrassom é suficiente para acompanhar e indicar nova exame contrastado se voltar a crescer ou mudar de aspecto.

Hemangiomas devem ser reavaliados sempre que houver sinais de complicação (dor aguda, icterícia, hemorragia, insuficiência cardíaca, distúrbios de coagulação) e também periodicamente, pelo menos por um ano. Sabemos que hemangiomas podem crescer até 3mm ao ano, se crescer muito mais que isso deve-se reavaliar o diagnóstico.

No caso de hemangiomas sintomáticos, primeiro é preciso ter certeza de que os sintomas são causados pelo tumor, senão o risco de passar por um procedimento invasivo e não melhorar em nada é grande. Se os sintomas são comprovados, prefere-se um tratamento não invasivo, embora as opções viáveis de tratamento variem de caso a caso. Assim, o acompanhamento por um especialista na área é primordial, sendo muitas vezes necessária a avaliação conjunta por um hepatologista, um cirurgião e um radiologista intervencionista para decidir qual a melhor conduta.

Ah, e só para não ficar nenhuma dúvida: HEMANGIOMAS HEPÁTICOS NÃO VIRAM CÂNCER

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Artigo criado em: 02/10/05
Última revisão: 28/03/23