O baço nas doenças hepáticas: esplenomegalia, hiperesplenismo e esplenectomia

Dr. Stéfano Gonçalves Jorge

INTRODUÇÃO

   O baço é um órgão pequeno, pesando cerca de 150g e medindo até 11 cm de comprimento, localizado do lado superior esquerdo do abdome, entre o estômago e o diafragma. Em seu tamanho normal, fica dentro da área protegida pelas costelas.

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   É um órgão muito peculiar, porque na verdade seriam dois órgãos diferentes misturados. Ele é formado pela polpa branca e polpa vermelha, independentes mas distribuídos pelo órgão, com funções distintas. A polpa branca tem a estrutura e células compatíveis com o sistema linfático e participa na defesa do organismo, o que torna o baço o maior de todos os gânglios linfáticos no nosso corpo, embora só esteja ligado ao sistema linfático de forma incompleta (apenas com vasos que saem para o sistema linfático). Ao mesmo tempo, a polpa vermelha é uma estrutura semelhante a uma esponja para produzir, estocar e eliminar células do sangue.

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Polpas branca e vermelha no baço.

O baço, portanto, tem quatro funções distintas:

  1. Hematopoiética: a polpa branca produz células de defesa do organismo, como os linfócitos, os macrófagos e os monócitos;
  2. Imunológica: como é um grande linfonodo ligado diretamente ao sangue arterial, serve como um “filtro”, ou como um local onde antígenos (bactérias, vírus e outros agentes nocivos) são “apresentados” ao sistema imune e capturados (o que faz com que o baço seja afetado por infecções generalizadas); a polpa branca também produz anticorpos; é no baço que alguns tipos de bactérias encapsuladas sofrem o processo de opsonização, onde são ligadas a imunoglobulinas antes de serem fagocitadas e destruídas;
  3. Hemoclástica: as células do sangue, especialmente as células vermelhas (eritrócitos) têm um tempo determinado de vida (ao redor de 120 dias); quando estão “velhas”, o baço as destrói; nesse processo, a hemoglobina é transformada em biliverdina e então em bilirrubina não conjugada, sendo transportada direto pela veia esplênica para o fígado (leia mais sobre esse processo no texto sobre icterícia);
  4. Estocagem de sangue: a estrutura do baço permite não apenas a circulação, mas também a estocagem de células sanguíneas; de fato, algumas espécies como os cavalos, cervídeos e gatos usam não apenas o baço para as demais funções, como também têm uma arquitetura específica dos vasos e uma musculatura ao redor do órgão que o contrai, liberando mais células vermelhas para a circulação em caso de hemorragias, para manter o volume e as células (neles o baço pode estocar até o correspondente à metade do volume do sangue circulante), incluindo plaquetas para ajudar na coagulação.
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A contração do baço para a liberação de uma quantidade “extra” de hemácias – e consequentemente oxigênio – para o sangue sempre foi considerada irrisória em humanos. No entanto, na década de 90 foi demonstrado que o baço de mergulhadores japoneses se contraía mais que os demais. Recentemente, a pesquisadora Melissa Ilardo demonstrou que o povo mergulhador de Bajau na Indonésia desenvolveu e selecionou uma mutação que torna o baço de seus portadores 50% maior que os não mergulhadores, o que os permite ficar mais tempo sem respirar embaixo d´água (fonte).

ESPLENOMEGALIA

   A esplenomegalia, também denominada megalosplenia, consiste no aumento do volume do baço, que pode chegar a 80 vezes o volume inicial do órgão. Além da causa da doença, o aumento do baço em si pode absorver mais de 50% do débito cardíaco e aumentar o volume plasmático, levando a anemia.

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Confuso com os termos ? Não há uma explicação clara do porquê o baço tem esse nome em português, mas possivelmente tem a ver com a coloração (embora “baço” seria algo sem brilho, ou moreno, o que não seria correto). Já os termos médicos vêm do grego splenikós ou do latim splenicu.

   A esplenomegalia normalmente é diagnosticada no exame físico, através de palpação ou percussão, ou através de ultrassonografia (ecografia). Deve-se diferenciar a esplenomegalia da presença de baço acessório, uma variação anatômica que ocorre em 10 a 30% da população normal e não tem qualquer significado patológico.

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Causas de esplenomegalia

   Quando há esplenomegalia maciça, no entanto, deve-se pensar em leishmaniose visceral, leucemia mieloide crônica, mielofibrose, malária e linfoma da zona marginal esplênica.

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Na esplenomegalia, o baço (setas amarelas) chega a ficar maior que o fígado (seta vermelha).

HIPERESPLENISMO

   O baço é um órgão “esponjoso”, repleto de vasos sanguíneos, pois é responsável pela produção, armazenamento, controle (“de qualidade”) e destruição de células do sangue. Com o aumento da resistência à passagem do sangue através do fígado (pela cirrose, esquistossomose e outras condições), aumenta a pressão sanguínea dentro do sistema porta hepático (hipertensão portal).

   Devido à sua característica esponjosa, o aumento na pressão da veia esplênica faz com que o baço inche. Com isso, o baço sequestra e acaba destruindo células sanguíneas em ritmo acelerado, levando à condição denominada hiperesplenismo. Nessa situação pode ocorrer anemia (redução das células vermelhas – eritrócitos), leucopenia (redução nos glóbulos brancos – leucócitos) e/ou plaquetopenia (redução nas plaquetas).

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Sistema porta hepático. Se há obstrução por coágulo (trombose) no trajeto entre o baço e o fígado (em vermelho), aumenta a pressão nas veias e o baço incha. Na cirrose o aumento da pressão ocorre pela formação de cicatrizes, deformando o fígado e seus vasos. Na esquistossomose, ocorre fibrose ao redor das veias no interior do fígado.

   Geralmente observa-se uma redução mais acentuada nas plaquetas do que nas demais, pois normalmente 1/3 das plaquetas no organismo já fica estocada no baço e no hiperesplenismo o baço sequestra ainda mais, chegando a ficar com 50% a 90%. Além disso, a plaquetopenia também ocorre por outras condições associadas a hipertensão portal (coagulação intravascular disseminada), destruição por mecanismo imunológico (observada na hepatite C, por exemplo) e por deficiência de ácido fólico.

   Há outras causas para o hiperesplenismo que não estão relacionadas ao fígado, como malária e outras infecções, doenças autoimunes, neoplasias, doenças hemolíticas e outras, mas são menos comuns e não fazem parte do escopo dessa revisão.

TRATAMENTO

   O tratamento da esplenomegalia é, sempre que possível, o tratamento da sua causa. A esplenomegalia dificilmente é dolorosa, a não ser em casos agudos, ou severa como em outras condições como a Doença de Gaucher. O hiperesplenismo geralmente não é tão intenso a ponto de causar sintomas, e a deficiência na coagulação causada pela redução das plaquetas pode ser compensada pelo organismo até certo ponto.

   Em alguns casos, no entanto, como em traumas, doenças hematológicas e tumores, pode ser necessário retirar o baço (esplenectomia). É uma cirurgia de baixo risco (exceto em portadores de doenças graves), podendo ser realizada por laparotomia (onde é feito uma incisão única maior) ou por laparoscopia (onde são realizados pequenos orifícios e a cirurgia é feita com o auxílio de câmera).

Retirada do baço (esplenectomia) por via laparoscópica por púrpura trombocitopênica idiopática

Cuidados pós esplenectomia

   Após a retirada do baço, no entanto, alguns cuidados devem ser tomados. A capacidade de defesa do organismo para alguns tipos de microorganismos estará reduzida, com risco de infecções sérias (principalmente por pneumococos, meningococos e H influenzae). Assim, recomenda-se a aplicação (2 semanas antes da cirurgia, ou até 2 semanas após em cirurgias de emergência) de vacina polivalente contra pneumococos e vacina conjugada para H influenzae tipo B e meningococo tipo C. Devem ser oferecidas, a não ser que o paciente já tenha tido essas doenças, duas doses de vacina MMR com 4 a 8 semanas de intervalo e uma dose de DPT.

   A vacina para pneumococos deve ser repetida em 5 anos (ou em intervalos menores em portadores de anemia falciforme ou doenças linfoproliferativas), a meningocócica a cada 5 anos e a para influenza anualmente.

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A infecção grave por pneumococos é uma das principais preocupações após a esplenectomia

   Para reduzir o risco de infecções, também recomenda-se o uso contínuo de antibióticos em baixas doses (por toda a vida). Como a aderência ao tratamento geralmente é baixa, uma opção, apesar de não ideal, utilizada na prática é a aplicação de penicilina benzatina a cada 3 semanas.

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Artigo criado em: 17/01/07
Última revisão: 06/11/18