
A elastografia hepática é um exame que permite estimar o grau de fibrose do fígado de forma segura, confiável e acessível. Essa estimativa é útil para avaliar o estágio de doenças crônicas do fígado, definir necessidade e opções de tratamento e diagnosticar cirrose em seu estágio mais inicial.
INTRODUÇÃO
A cirrose é uma das principais causas de mortalidade no mundo. Em 2017, estava em 11o. lugar, sendo desses dois terços homens e um terço mulheres, e o número de vítimas por ano continua aumentando. Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, a maioria dos casos de cirrose não tem relação com o álcool, mas com outras doenças. Na verdade, qualquer doença que causa destruição de células do fígado por tempo suficiente tende a causar cirrose.

Com pequenas variações, todas essas doenças avançam da mesma forma: há destruição das células do fígado, o fígado regenera, recuperando as células perdidas mas formando cicatrizes (fibrose), até um ponto em que o órgão está tão cheio de cicatrizes que fica deformado e cheio de nódulos, o que chamamos de cirrose. A partir daí, começam a surgir complicações como ascite, varizes esofágicas, encefalopatia e câncer do fígado. Se a doença progredir, chega um ponto em que o fígado deixa de se regenerar a para de funcionar.

Tradicionalmente, o método mais utilizado para diagnosticar o grau de fibrose é a biópsia hepática, que classifica a fibrose entre graus 0 (sem fibrose) e 4 (cirrose). O problema é que é um procedimento invasivo, doloroso e, embora seguro, sempre existem riscos. Felizmente, hoje temos outros métodos que permitem que essa avaliação, tornando a biópsia de modo algum ultrapassada, mas restrita para investigar a causa da doença quando ela é desconhecida.

Hoje temos testes baseados em exames laboratoriais (APRI, FIB-4, Fibrotest) que permitem basicamente diferenciar entre “baixo risco de cirrose” e “alto risco de cirrose” e que são úteis e acessíveis, mas não permitem análise dos estágios intermediários. No outro extremo temos novas modalidades baseadas em ressonância nuclear magnética que são promissoras, mas muito caras e só disponíveis em grandes centros.
A ELASTOGRAFIA
Durante a evolução do fígado de F0 (sem fibrose) até F4 (cirrose), as cicatrizes tornam órgão cada vez mais endurecido, ou menos “elástico”. Como consequência, se você aplicar uma força, ela se propaga pelo fígado com maior ou menor dificuldade dependendo de quão “sólido” o fígado está.

O primeiro método comercialmente bem sucedido para explorar essa característica da fibrose hepática foi o Fibroscan, um aparelho semelhante a um ultrassom desenhado exclusivamente para realizar a elastografia. Ele age aplicando uma vibração no fígado e medindo a consequência dessa no órgão. Assim que surgiu todos os centros de pesquisa de hepatologia correram para pesquisar o seu uso e comprovaram que o método é confiável para esclarecer o grau de fibrose, mas não permite avaliar a estrutura do fígado, fica mais impreciso em pacientes obesos e não funciona em pacientes com ascite. Além disso, o aparelho e sua manutenção são muito caros, o que se reflete no alto custo do exame.

Uma vez definido que a elastografia era confiável e começou a ser integrada na prática clínica, chegou a vez dos aparelhos convencionais de ultrassom alcançarem (e ultrapassarem) o Fibroscan.

A ultrassonografia ARFI Point Shear Wave (pSWE), ou sua evolução, a 2D Shear Wave (2D-SWE), diagnostica a fibrose com alta precisão: comparando com a biópsia hepática, tem acerto de 87% para fibrose F2, 91% para F3 e 93% para cirrose (F4). Vale a pena destacar que nem sempre a biópsia é perfeita: trata-se de um pedacinho muito pequeno do fígado que pode ter uma doença que não se apresenta de forma igual e todo o órgão. Na biópsia, estima-se que seja analisado 1/50.000 do fígado, enquanto que na elastografia onde você avalia uma área, essa pode corresponder a 1?500 do fígado, uma parcela bem mais representativa.
Outras vantagens da elastografia por ultrassom é que mantém a precisão mesmo em pacientes obesos, como você seleciona a região da análise ela não é prejudicada por ascite. Além disso, como é um aparelho de ultrassom, você também pode avaliar toda a estrutura do fígado e diagnosticar outros problemas, como trombose ou câncer.

Uma desvantagem da elastografia, independente do método, é que ela mede a rigidez do fígado, não a fibrose. Embora a fibrose seja a principal causa da rigidez, outros fatores podem influenciar. O inchaço do fígado por insuficiência cardíaca aumenta a rigidez do órgão. A inflamação do fígado, seja por vírus, álcool ou qualquer outra causa, pode superestimar o grau da fibrose, e por esse motivo recomenda-se pelo menos 2 semanas sem álcool antes de realizar o exame, além do jejum de 4 horas.
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Publicado em 25/10/22
Última atualização em 25/10/22