INTRODUÇÃO
Hepatomegalia é o nome dado ao aumento patológico do volume do fígado, que pode acontecer em diversas situações, de infecções a tumores.
O volume do fígado pode se alterar normalmente o longo da vida para se adaptar às necessidades do metabolismo. Ele aumenta acompanhando o crescimento do corpo desde a infância, com aumento mais expressivo durante a adolescência e temporariamente durante a gravidez. E diminui quando há redução do metabolismo, como na caquexia ou inflamação crônica. A capacidade de regeneração do fígado após lesão cirúrgica ou química é tão conhecida que a mitologia grega conta que Prometeu, o titã que teria criado o homem da argila e dado o fogo para a Humanidade foi punido por Zeus sendo amarrado em uma pedra e todo dia uma águia viria, comeria o seu fígado, que regeneraria por completo à noite e faria o mesmo no dia seguinte.

Chained Prometheus, Peter Paul Rubens, 1611-1612
A regeneração do fígado é impressionante, mas igualmente interessante é a capacidade do organismo de interrompê-la. Na verdade, o intenso processo de regeneração após a retirada de parte do fígado, por exemplo termina com uma quantidade de hepatócitos discretamente acima do normal. Logo em seguida o “excesso” de células morre e o fígado volta ao volume necessário – nem mais e nem menos !
Assim, quando há aumento do volume do fígado, não se espera que esse aumento seja causado por células normais do fígado, mas por inchaço por excesso de sangue ou bile, por acúmulo de outros tipos de células como as do sistema imune ou por depósito de materiais nas células do fígado, como gordura.
DIAGNÓSTICO
Na prática, nem sempre é fácil diagnosticar o aumento do volume do fígado. Esse é um órgão grande e de formato irregular, o que torna muito complicado calcular o volume. No exame físico, o fígado fica protegido pelas costelas, ficando apenas a sua borda inferior palpável. Se a borda está mais abaixo que o normal, pode ser porque está aumentado, mas também pode ser porque todo o órgão está mais para baixo, o que pode acontecer por problemas no tórax como doenças pulmonares. É possível estimar a borda superior do fígado percutindo, o que diminui o risco de erro, mas também não é muito preciso.

Medidas para avaliação do tamanho do fígado na ultrassonografia
Em exames de imagem não fica mais fácil. Na falta de um método prático de calcular o volume, exames de imagem medem o fígado de vários ângulos, o que nem sempre é possível e pode levar a outros tipos de erros. Um erro comum, por exemplo, é quando o fígado tem uma variação anatômica (normal) chamada “lobo de Riedel“. Trata-se de um prolongamento afilado da borda inferior do lobo direito do fígado que ocorre em uma média de 17% das pessoas (e três vezes mais comum em mulheres do que em homens) que nem sempre é fácil de identificar no exame físico mas frequentemente é interpretado como hepatomegalia por ultrassonografistas que levam em consideração apenas a extensão do fígado.
Claro, existem protocolos bem estabelecidos para medir o volume do fígado, especialmente usando tomografia computadorizada, mas na prática isso fica reservado para avaliar compatibilidade de volume no caso de transplante hepático de doador vivo e quando se planeja retirar um tumor do fígado e é necessário estimar quanto do fígado vai permanecer e se será suficiente (nos portadores de cirrose, a capacidade de regeneração do fígado está praticamente esgotada).

Métodos diferentes de cálculo do volume do fígado por tomografia (link)
Uma vez observado o aumento do fígado em um exame físico bem feito ou em exame de imagem com os cuidados necessário, é necessário investigar a causa.
CAUSAS E SINTOMAS
Além do aumento do fígado, que nem sempre é observado pela pessoa, podem ocorrer outros sintomas, dependendo da causa, e o diagnóstico correto é fundamental para definir o tratamento, se esse for necessário
Infecciosas:
- Mononucleose infecciosa: é uma infecção pelo vírus Epstein-Barr, que além de poder causar aumento do fígado, pode aumentar o baço (esplenomegalia) e gânglios no pescoço, febre, dor de garganta e fraqueza;
- Hepatites A, B ou C
- Abscessos hepáticos piogênicos

Abscessos hepáticos (seta)
- Malária
- Amebíase
- Cistos hidatidos ou equinococose
- Leptospirose
- Febre amarela

Criança com leishmaniose visceral
- Leishmaniose
- Actinomicose
Tumores:
- Metástases
- Carcinoma hepatocelular
- Mieloma
- Leucemia
- Linfoma
Biliares:
- Colangite biliar primária (antes chamada de cirrose biliar primária)
- Colangite biliar primária
Metabólicas:
- Hemocromatose
- Deficiência da lipase ácida lisossomal (LAL-D, ou doença de Wolman)
- Porfiria
- Doença de Wilson
- Doença de Niemann Pick
- Doença hepática gordurosa não alcoólica

Biópsia do fígado na doença de Cori (doença de depósito de glicogênio tipo III), mostrando fibrose e acúmulo de glicogênio (que aparecem aqui como buracos brancos nas células)
- Doença de depósito de glicogênio (de von Gierke e Pompe, entre outras)
Tóxicas:
- Alcoólica
- Medicamentosa
Congênitas:
- Anemia hemolítica
- Doença hepática policística

Fígado aumentado por múltiplos cistos na doença policística hepática (publicado com consentimento da paciente)
- Hepatopatia falciforme
- Intolerância hereditária a frutose
Outras:
- Síndrome de Hunter (mucopolissacaridose tipo II)
- Síndrome de Zellweger
- Deficiência de carnitina palmitoiltransferase I
- Sarcoidose
- Doença de Gaucher
INVESTIGAÇÃO E TRATAMENTO
A investigação da causa da hepatomegalia vai depender das hipóteses diagnósticas levantadas a partir dos dados clínicos. Se estiver acompanhada de febre e icterícia, por exemplo, deve-se investigar quadro infeccioso. Em recém nascidos, doenças metabólicas. Em portadores de hepatites B e C crônicas e alcoólatras, deve-se pensar em hepatocarcinoma. Cada caso é um caso, se por algum motivo descobriu ter o fígado aumentado em algum exame ou até mesmo por estar visível, é fundamental procurar um médico para a investigação adequada e tratamento se necessário.
BIBLIOGRAFIA
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Artigo escrito em: 08/10/18
Última atualização: 08/10/18