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Como assim nós não podemos beber álcool nas festas de fim de ano ?

Enfim chegamos àquela época no fim do ano que as pessoas passam em consulta, são orientadas da necessidade de abstinência alcoólica e não recebem a orientação muito bem (alguns chegam a ficar agressivos). Infelizmente, o médico não fala isso porque está de mal humor ou é sádico e pretende que sofra desnecessariamente. Muito menos porque não sabe do que está falando.

Apesar das notícias que ocasionalmente aparecem na mídia de que álcool em quantidades moderadas fazem bem à saúde, que vinho todo dia protege o coração, etc, isso não corresponde à realidade. São estudos limitados, muitas vezes a grupos étnicos específicos, usando um tipo de vinho ou outra bebida, com achados muito questionáveis. Mesmo nos estudos que mostrariam benefícios cardiovasculares ou no diabetes, os demais riscos à saúde representados pelo álcool superam os potenciais benefícios, tornando a recomendação de consumo leve banida de todas as sociedades científicas.

Aprenda a dizer não.

Em janeiro desse ano, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou na revista Lancet Public Health uma revisão cuidadosa dos efeitos do álcool na saúde e foi categórica: “Não há nenhuma quantidade de consumo de álcool segura para a nossa saúde”. O álcool não é só uma substância psicoativa, tóxica e produtora de dependência, mas também está classificada no grupo 1 (mais perigoso) de indutores de câncer, junto do tabaco, asbesto e radiação. Está associado a pelo menos 7 tipos de câncer, incluindo os cânceres de esôfago, fígado, cólon e de mama.

No caso específico do fígado, o álcool é um potente agente tóxico. Felizmente, a grande maioria das pessoas que consomem álcool em pequena quantidade não chegam a ter doença hepática significativa, pois o órgão é bem resistente e se regenera (quanto maior o consumo, no entanto, menor a probabilidade do fígado ser saudável). Por outro lado, em quem já tem uma doença do fígado, seja ela causada pelo álcool ou não, qualquer quantidade de álcool pode impedir a resolução da inflamação (nas hepatites de qualquer causa) ou desencadear inflamação quando a doença já estava controlada. E os efeitos de uma pequena dose de álcool pode ser persistente, levar até seis meses para se resolver, levando a piora da doença.

Se você já tem uma doença crônica do fígado, seis meses de inflamação a mais podem ser o suficiente para passar de F1 para F2, F2 para F3, F3 para cirrose e, se já tiver cirrose, pode ser o suficiente para aumentar o risco de câncer de fígado e desencadear consequências como ascite, encefalopatia, varizes esofágicas e óbito. Não digo “o suficiente para precisar de transplante” porque , por lei, se precisar de transplante e tiver ingerido álcool em menos de 6 meses não pode nem ser transplantado.

Infelizmente, vivemos numa sociedade que tenta convencer as pessoas que o único modo de se divertir ou comemorar algo é com o álcool. Se você tem doença do fígado, ou está preocupado com a saúde, ignore essa pressão e divirta-se sem o álcool mesmo. A diversão é a mesma e as consequências – sejam para a saúde a longo prazo ou a ressaca do dia seguinte – serão apenas boas lembranças.

… e não faltam opções de bebidas sem álcool hoje em dia.

Referência:

  • Anderson BO, Berdzuli N, Ilbawi A, Kestel D, Kluge HP, Krech R, Mikkelsen B, Neufeld M, Poznyak V, Rekve D, Slama S, Tello J, Ferreira-Borges C. Health and cancer risks associated with low levels of alcohol consumption. Lancet Public Health. 2023 Jan;8(1):e6-e7. doi: 10.1016/S2468-2667(22)00317-6. PMID: 36603913; PMCID: PMC9831798.

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