cirrose

Mudança na prevenção de câncer de fígado em não cirróticos

Dr. Stéfano Gonçalves Jorge

O hepatocarcinoma é uma das complicações mais temíveis da cirrose, sendo uma das principais causas de transplante de fígado. Não responde bem à quimioterapia, muito menos a radioterapia e a possibilidade de cirurgia é muito limitada. Se não for descoberto em seus estágios iniciais, a possibilidade de cura é baixa.

Sabemos, há muito tempo, que portadores de cirrose tem maior risco de câncer primário do fígado, chamado de hepatocarcinoma. Não significa que todos os pacientes com cirrose vão ter câncer, mas o risco (que varia de 5 a 15% ao ano dependendo do estágio da cirrose) é suficiente alto para preocupar. Por isso TODO paciente com cirrose precisa realizar exame de imagem (preferencialmente ultrassonografia) a cada 6 meses, acompanhado ou não de exame de sangue (dosagem de alfa fetoproteína) pois na maioria das vezes isso é o suficiente para se um câncer surgir ele seja descoberto pequeno, ainda em tempo de ser tratado e curado.

O câncer do fígado surge no portador de cirrose por diversos mecanismos (que não valem a pena ser discutidos aqui). Consideramos que, fora os portadores de cirrose, os com hepatite B crônica também tem risco aumentado de câncer pois o vírus age diretamente no DNA das células do fígado, podendo causar câncer mesmo sem que a doença alcance o estágio de cirrose. Assim, tanto os cirróticos quanto os portadores de hepatite B realizam os exames de rotina, que chamamos de rastreamento.

O ultrassom é o melhor método para detectar o hepatocarcinoma ainda inicial: é simples, barato, não exige contraste, não usa radiação e pode ser feito em qualquer lugar. Se necessário, pode ser complementado com tomografia ou ressonância. dosagem de alfa fetoproteína no sangue é questionável, mas pode ajudar no diagnóstico.

Nos últimos anos, temos observado que portadores de esteato hepatite, ou “fígado gorduroso” também tem um risco aumentado de câncer, mesmo sem cirrose, mas não sabíamos exatamente quais pacientes são de risco e precisam entrar em programa de rastreamento de câncer. Essa questão vem sido debatida entre pesquisadores e especialistas nos últimos anos, mas provavelmente agora temos uma resposta mais concreta.

O Veteran Affairs (VA) é um órgão do governo norte americano criado há quase um século com o objetivo de cuidar do bem estar de veteranos das forças armadas. Inclui um “mini SUS” que cuida dos militares desde o alistamento até o óbito e acumula uma vasta quantidade dos dados de saúde dessa população, que são uma “mina de ouro” para pesquisas médicas.

As pesquisadoras da Universidade de Yale Ysabel C. Ilagan-Ying e Kirsha S. Gordon, juntas de outros estudaram dados de pacientes do Veteran Affairs (VA), em busca daqueles que não tinham diagnóstico de cirrose ou hepatite B mas que mesmo assim desenvolveram hepatocarcinoma. Os resultados, que estão pré publicados na prestigiada revista The Lancet encontraram um dado muito importante: cruzando os dados de saúde, diagnósticos de hepatocarcinoma e uma estimativa do grau de fibrose do fígado pelo FIB-4, em pacientes sem hepatites virais ou cirrose, identificaram quem tem maior risco de câncer.

O FIB-4 é um modo não invasivo, fácil e barato de estimar o grau de fibrose do fígado, podendo ser calculado online aqui, entre outras fontes. Um resultado menor que 1,45 significa risco baixo de fibrose, entre 1,45 e 3,25 risco moderado de fibrose, ou fibrose moderada e acima de 3,25 que a pessoa provavelmente tem fibrose importante ou cirrose.

A pesquisa mostrou que pacientes com fibrose moderada (FIB-4 entre 1,45 e 3,25), aqueles com obesidade, diabetes, abuso de álcool e tabagismo tem um risco alto de desenvolvimento de câncer, e portanto se beneficiariam com a inclusão em programa de rastreamento.

Obeso, diabético, abusa de álcool e/ou fuma ? Não precisa mais esperar ter cirrose para entrar em programa de rastreamento de câncer. E, claro, esse é mais um motivo para controlar o diabetes, emagrecer e parar de beber e fumar.

Claro que há críticas à pesquisa, principalmente porque está centrada em dados de militares americanos, o que não significa que o que foi observado ali é real para populações que não sejam primariamente de homens brancos de meia idade para cima. Mas é o suficiente para ajudar a decidir, com dados simples e fáceis de se obter, quem deve ser rastreado.

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