
Recentemente, a ABBD (Associação Brasileira de Bebidas Destiladas) e o IBRAC (Instituto Brasileiro de Cachaça) lançaram uma campanha chamada “Álcool é Álcool”. O objetivo principal da campanha é explícito: reduzir a carga de impostos sobre as bebidas destiladas no país. Até aí, nada de interessante do ponto de vista médico. Os argumentos, no entanto, valem uma discussão.
O ponto principal da campanha é instituir uma dose padrão de álcool. Muitos países já o fazem. Na Austrália, a dose padrão de álcool é o equivalente a 10 gramas de álcool puro; no Canadá, 13,45 g; nos Estados Unidos, 14 g. A proposta é adotar aqui o padrão norte-americano.
Um dos argumentos é que, com uma dose padrão, o consumidor vai poder entender melhor a quantidade de álcool que está tomando, prevendo os seus efeitos. Como o efeito da bebida depende da quantidade de álcool em si, não do açúcar ou se é destilado ou fermentado, fica mais fácil não ultrapassar seus limites.

Claro, o objetivo de toda a campanha é taxar a bebida de acordo com a quantidade de álcool, já que a legislação atual é desproporcional nesse sentido, adotando uma visão de que destilados são “ruins” e precisam ser sobretaxados, enquanto que fermentados são “bons”. O segundo argumento da campanha é terminar com esse “preconceito”.

Nesse ponto, concordamos. Esse conceito de bebidas “ruins” e “boas” é bem arraigado. Por outro lado, ele está errado porque nenhuma delas é boa. Apesar das notícias que ocasionalmente aparecem na mídia de que álcool em quantidades moderadas fazem bem à saúde, que vinho todo dia protege o coração, etc, isso não corresponde à realidade. São estudos limitados, muitas vezes a grupos étnicos específicos, usando um tipo específico de vinho ou outra bebida, com achados muito questionáveis. Mesmo nos estudos que mostrariam benefícios cardiovasculares ou no diabetes, os malefícios à saúde representados pelo álcool superam os potenciais benefícios, tornando a recomendação de consumo leve banida de todas as sociedades científicas.
Em janeiro do ano passado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou na revista Lancet Public Health uma revisão cuidadosa dos efeitos do álcool na saúde e foi categórica: “Não há nenhuma quantidade de consumo de álcool segura para a nossa saúde”. O álcool não é só uma substância psicoativa, tóxica e produtora de dependência, mas também está classificada no grupo 1 (mais perigoso) de indutores de câncer, junto do tabaco, asbesto e radiação. Está associado a pelo menos 7 tipos de câncer, incluindo os cânceres de esôfago, fígado, cólon e de mama.

No caso específico do fígado, o álcool é um potente agente tóxico. Felizmente, a grande maioria das pessoas que consomem álcool em pequena quantidade não chegam a ter doença hepática significativa, pois o órgão é bem resistente e se regenera (quanto maior o consumo, no entanto, menor a probabilidade do fígado ser saudável). Considera-se que o consumo de mais de 30g de álcool por dia por homens e 20g por mulheres está relacionado a risco aumentado de desenvolver cirrose. Esse limite pode ser mais baixo se a pessoa tiver outras doenças do fígado, como hepatites ou gordura no fígado. Por outro lado, em quem já tem uma doença do fígado, seja ela causada pelo álcool ou não, qualquer quantidade de álcool pode impedir a resolução da inflamação (nas hepatites de qualquer causa) ou desencadear inflamação quando a doença já estava controlada. E os efeitos de uma pequena dose de álcool pode ser persistente, levar até seis meses para se resolver, levando a piora da doença.

Independente dos objetivos tributários, a campanha pode trazer resultados benéficos. A padronização das doses de álcool pode estimular o consumo consciente. Já chamar a atenção ao fato de que tanto destilados quanto fermentados contém álcool com certeza chama atenção ao fato de que todas as bebidas alcoólicas podem causar doenças, o que os consumidores apenas de fermentados (vinho e cerveja) tendem a ignorar.
Categorias:álcool

