Hepatites

Dr. Stéfano Gonçalves Jorge

INTRODUÇÃO

Chamamos de hepatite toda inflamação no fígado (do grego hépar, que significa fígado + “ite”, que significa inflamação). Há diversas doenças que causam essa inflamação, por mecanismos distintos, que evoluem de forma diferente. Algumas se resolvem naturalmente em menos de 6 meses, e as chamamos de hepatites agudas. As que persistem por anos são as hepatites crônicas.

Geralmente, hepatites agudas passam despercebidas, com poucos ou nenhum sintoma. Algumas, no entanto, causam destruição de células do fígado suficientes para levar a fraqueza, febre e o seu sintomas mais característico que é a icterícia, quando pele e olhos ficam amarelados. Se a hepatite for muito intensa, o fígado pode até ter o seu funcionamento prejudicado, levando a hemorragias e encefalopatia hepática (o que chamamos de hepatite fulminante, pela sua alta mortalidade de até 80%). Na grande maioria das vezes, felizmente, mesmo com sintomas intensos a tendência é a hepatite se resolver, o fígado se regenerar completamente e não causar consequências para o futuro.

Pessoa com icterícia.

Mas algumas doenças não se resolvem sozinhas, e continuam causando destruição das células do fígado ao longo de anos ou décadas. Esse processo contínuo de morte e regeneração leva a formação de cicatrizes, que vão se acumulando até que o fígado fica todo deformado com formação de nódulos, o que chamamos de cirrose.

Cirrose é a doença terminal do fígado, que pode apresentar diversas complicações, como ascite, encefalopatia e câncer. Muitos pacientes com hepatite crônica só apresentam sintomas e descobrem a doença nessa fase.

CAUSAS

   As hepatites podem ter várias causas. As hepatites virais são todas diferentes em sintomas, gravidade, evolução e tratamento. Algumas são conhecidas como vírus de hepatite pois atacam quase que exclusivamente as células do fígado, e demos a elas letras ou invés de nomes para facilitar (vírus das hepatites A, B, C e Delta, por exemplo). Outras atacam múltiplos órgãos e a infecção pode se manifestar de forma diferente dependendo do órgão mais afetado (como a dengue, febre amarela e infecções pelo citomegalovírus, vírus Epstein Barr e outros).

Fígado com hepatite B aguda

   Mas são muitas as causas de hepatites. Elas podem ocorrer por infecções por bactérias em outros órgãos, como pneumonia ou infecção urinária tão intensas que podem levar a inflamação no fígado, o que chamamos de hepatite transinfecciosa.

Faz parte das muitas funções do fígado retirar toxinas da nossa circulação, principalmente as que vem do sistema digestório. Por esse motivo, ele é quem acaba sofrendo mais com intoxicações.

Substâncias tóxicas como álcool, medicamentos (inclusive os chamados “naturais”), agrotóxicos, metais (como chumbo) também podem causar destruição dos hepatócitos (células do fígado). Doenças do sistema imunológico podem fazer com que as nossas células de defesa ataquem os hepatócitos (hepatite autoimune), as células dos canais da bile (colangite biliar primária, colangite esclerosante primária) ou múltiplos órgãos incluindo o fígado (como o lupus eritematoso sistêmico). Doenças genéticas com erros no metabolismo podem causar lesão hepática por múltiplos mecanismos (formação de reagentes tóxicos como na porfiria aguda intermitente, redução na defesa das células, ou acúmulos de ferro, cobre, açúcares ou gordura nas células, como nas glicogenoses). Até mesmo funções normais do fígado, se “forçadas”, podem causar hepatite, como na esteato hepatite não alcoólica.

EVOLUÇÃO

   A hepatite pode surgir rapidamente com sintomas mais intensos (hepatite aguda) ou lenta e menos sintomática (hepatite crônica). Algumas doenças, com a hepatite A, costumam causar apenas a hepatite aguda. Outras, como a hepatite B, podem apresentar um quadro agudo e depois manter uma inflamação menor por um longo período, tornando-se crônica. Outras, como a hemocromatose e a hepatite autoimune, costumam se apresentar como se fossem hepatites agudas, mas na verdade são crônicas.

   Na hepatite aguda, os sintomas podem variar bastante. Dependendo da causa, eles podem não aparecer. Na maioria das vezes, a hepatite aguda surge com um quadro parecido a de uma gripe, com mal estar, fraqueza, febre, dores e náuseas. Quadros mais intensos podem vir com icterícia, que é um amarelamento da pele e dos olhos causado pelo acúmulo de bile no sangue. Felizmente, hepatites agudas graves, chamadas de fulminantes e subfulminantes, são raras. Além dos sintomas habituais, surgem alterações de comportamento, sonolência e confusão, sinais de que o fígado não está conseguindo eliminar toxinas do organismo (encefalopatia hepática).

   Na hepatite crônica, ocorre uma destruição lenta das células do fígado, que aos poucos vão se regenerando ou formando cicatrizes. Nessa fase, praticamente não há sintomas. Por esse motivo, muitas pessoas não descobrem a doença até que seja tarde demais. O que acontece é que a destruição das células do fígado pode chegar a um ponto em que a regeneração não é mais possível e o fígado pode não ser mais capaz de funcionar normalmente. Isso, junto com a formação de cicatrizes no fígado, é o que chamamos de cirrose.

DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Toda pessoa com sintomas sugestivos de hepatite aguda devem procurar atendimento médico urgente, por diversos motivos:

  • Os sintomas podem ser causados por uma doença transmissível, e o diagnóstico precoce pode impedir que outras pessoas se infectem. A hepatite A, por exemplo, se transmite facilmente por via fecal-oral para membros da mesma casa, colegas de escola e instituições. Outras como o citomegalovírus e Epstein-Barr também são transmitidas com facilidade, e outros como dengue, febre amarela e leptospirose precisam ser notificados pelo risco de epidemias.
  • Embora a maioria das hepatites agudas se resolvam sozinhas sem necessidade de qualquer tratamento, uma pequena minoria pode persistir e ultrapassar a capacidade de regeneração do fígado, até que o órgão pare de funcionar e seja necessário transplante de urgência.
  • Alguns casos que se apresentam como hepatite aguda na verdade são doenças crônicas em fase de cirrose cujos sintomas foram desencadeados por alguma complicação, sendo necessário também descobrir qual seria esse fator desencadeante e espera-se outros sintomas mais característicos de doença crônica, como ascite ou hemorragia por varizes esofágicas.
  • Nos casos onde há tratamento específico, quanto mais cedo o diagnóstico e o tratamento menor a probabilidade da doença evoluir com disfunção hepática ou cirrose.
Cada vez é mais comum observar hepatites agudas e crônicas por suplementos nutricionais e os chamados “medicamentos naturais”. O que mais dificulta o diagnóstico é que as pessoas geralmente não contam o consumo para o médico.

O diagnóstico depende de exames laboratoriais e de imagem adequados para a idade, sintomas, históricos pessoais e familiares e epidemiologia adequada. Tipicamente, hepatites causam aumento nas dosagens laboratoriais de AST e ALT, além de bilirrubinas na hepatite aguda e na fase terminal das hepatites crônicas. A deterioração da função do fígado ocorre com aumento nas bilirrubinas, alteração nos exames de coagulação e sinais clínicos de encefalopatia.

Vírus da hepatite B. O diagnósticos das hepatites virais depende da pesquisa de anticorpos e antígenos. No caso dos anticorpos, os do tipo IgG indicam contato prévio com o vírus em questão, enquanto os IgM mostram infecção recente. Por exemplo, anticorpos anti HAV IgG significam que a pessoa já entrou em contato com o vírus da hepatite A e está imune, e anticorpos anti HAV IgM significam que está com a hepatite A aguda.

Além de investigar a causa da hepatite e a função do fígado, é necessário estimar o estágio da doença para diferenciar entre uma hepatite realmente aguda e uma crônica com descompensação aguda. O exame mais acessível é a ultrassonografia, que pode deixar passar despercebidos até 30% dos casos de cirrose sem hipertensão portal, mas pode ser complementado com tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética e elastografia.

Independente do álcool ser ou não a causa da hepatite, enquanto há inflamação no fígado qualquer quantidade é suficiente para piorar e prolongar a lesão. O correto é manter abstinência alcoólica até a normalização do fígado.

PREVENÇÃO

As estratégias de prevenção das hepatites, obviamente, dependem do tipo de hepatite. Exames de “check-up” ou “de rotina” podem detectar doenças em seu início ou encontrar condições que levem ao aparecimento de hepatites, como diabetes e dislipidemia que podem levar a esteatose e esteato-hepatite. A investigação de familiares dos que possuem doenças genéticas pode levar ao diagnóstico precoce de hemocromatose, doença de Wilson, deficiência de alfa-1-antitripsina e glicogenoses, entre outras.

Para prevenir a esteato-hepatite, uma das principais hepatites em nosso meio, é necessário adotar um estilo de vida saudável.

No caso das hepatites virais, a prevenção está em impedir a infecção. No caso de doenças que se transmitem com contato com as fezes, como a hepatite A, é necessário higiene básica. Nas transmitidas por sangue contaminado, o exame adequado de bancos de sangue, rastreamento de gestantes, usar seringas e agulhas descartáveis, não compartilhar materiais de higiene pessoal, esterilizar equipamentos médicos, odontológicos, de manicure, barbearia e tatuagem e utilizar preservativos. No caso específico das hepatites A e B, vacinas altamente eficazes e seguras estão disponíveis nos postos de saúde de graça.

Prevenindo a transmissão da hepatite B

Em relação ao álcool, considera-se que o consumo de mais de 30g de álcool por dia por homens e 20g por mulheres está relacionado a risco aumentado de desenvolver doença hepática que pode evoluir com cirrose. Esse limite, no entanto, pode diminuir quando há outras doenças que causem a inflamação no fígado, como uso de medicamentos, obesidade, diabetes, hemocromatose, hepatite ou outros.

Finalmente, outra causa de hepatite que pode levar a hepatite aguda, incluindo a fulminante, e a cirrose é a causada pelo consumo de medicamentos, incluindo os “medicamentos naturais”. Todo medicamento prescrito deve ser tomado sob orientação médica, é por isso que receitas vencem, isso não é uma burocracia apenas. Medicamentos que são usados a longo prazo tem seus efeitos colaterais conhecidos e devem ser avaliados pelo médico que os prescreve, seja pelos sintomas e exame físico ou por exames periódicos. Já em relação a fitoterápicos e medicamentos naturais, existe a crendice popular de que “o que é natural não faz mal”, o que é uma bobagem completa. Para prevenir hepatites e outras doenças, nunca faça uso de medicamentos sem orientação e supervisão médica.

Artigo criado em: 2001
Última revisão: 02/07/2021