
INTRODUÇÃO
Há uma grande quantidade de exames laboratoriais úteis e disponíveis amplamente na avaliação de pacientes com suspeita de doença hepática ou na investigação etiológica. Para fins didáticos, podemos agrupá-los em seis grandes categorias:
- Marcadores de lesão hepatocelular (inflamação e destruição de hepatócitos)
- Marcadores de colestase (lesão das células dos canais da bile e/ou acúmulo de bile)
- Marcadores de síntese hepática (para avaliar a função do órgão)
- Marcadores de complicações e estadiamento da doença hepática (engloba exames para a função hepática com outros que estão relacionados à piora do órgão)
- Marcadores genéticos de risco de doença hepática avançada
- Marcadores para investigação de doenças hepáticas específicas (como sorologias para hepatites, mas que serão abordados em outros artigos nesse site – visite a nossa biblioteca)
Muitos laboratórios oferecem um conjunto de “provas de função hepática”, mas esse é um termo incorreto. Os exames incluídos nesse “pacote” não investigam apenas a função do fígado, mas também a presença de lesão hepatocelular e de vias biliares. Costuma incluir aminotransferases (AST e ALT), fosfatase alcalina, gama glutamil transferase, albumina, bilirrubinas total e frações e atividade da protrombina. Algumas vezes ainda inclui sorologia para hepatite B ou amilase.
Os valores de referência variam conforme o laboratório, método e equipamento; os valores abaixo são meramente ilustrativos.

MARCADORES DE LESÃO HEPATOCELULAR
Aspartato aminotransferase (AST)
- também pode ser chamada de transaminase glutâmico oxaloacética (TGO)
- é uma enzima que catalisa a reação: aspartato + alfa-queroglutarato = oxaloacetato + glutamato
- é encontrada em altas concentrações no citoplasma e nas mitocôndrias do fígado, músculos esquelético e cardíaco, rins, pâncreas e eritrócitos (glóbulos vermelhos do sangue); quando qualquer um desses tecidos é danificado, a AST é liberada no sangue
- como não há um método laboratorial para saber qual a origem da AST encontrada no sangue, o diagnóstico da causa do seu aumento deve levar em consideração a possibilidade de lesão em qualquer um dos órgãos onde é encontrada
- valores normais: até 31 U/L (mulheres) e 37 U/L (homens)

Alanina aminotransferase (ALT)
- também pode ser chamada de transaminase glutâmico pirúvica (TGP)
- é uma enzima que catalisa a reação: alanina + alfa-queroglutarato = piruvato + glutamato
- é encontrada em altas concentrações apenas no citoplasma do fígado, o que torna o seu aumento mais específico de lesão hepática; no entanto, pode estar aumentada em conjunto com a AST em miopatias (doenças musculares) severas
- valores normais: até 31 U/L (mulheres) e 41 U/L (homens)

Relação AST/ALT
- além das características individuais, a relação entre o aumento das enzimas tem valor diagnóstico
- tanto a AST quanto a ALT costumam subir e descer mais ou menos na mesma proporção em doenças hepáticas
- elevações pequenas de ambas, ou apenas de ALT em pequena proporção, são encontradas na hepatite crônica (especialmente hepatite C e esteato-hepatite não alcoólica)
- como na hepatite alcoólica há maior lesão mitocondrial, proporcionalmente, do que nas outras hepatopatias, observa-se tipicamente elevação mais acentuada (o dobro ou mais) de AST (que é encontrada nas mitocôndrias) do que de ALT, ambas geralmente abaixo de 300 U/L
- elevações de ambas acima de 1.000 U/L são observadas em hepatites agudas virais ou por drogas
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Causas de aumento de aminotransferases no sangue | |
| Doenças hepatobiliares | |
| Doenças do miocárdio | |
| Doença pancreática | |
| Doença muscular | |
| Álcool | |
| Ligação a imunoglobulina (rara) | |
| Doença não-hepatobiliar com envolvimento hepático | obesidade / diabetes |
| hemocromatose | |
| deficiência de alfa-1-antitripsina | |
| infecção pelo HIV | |
| hipertireoidismo | |
| doença celíaca | |
Desidrogenase lática (DHL)
- é observado em lesões hepatocelulares de modo geral
- pode ser útil na diferenciação entre hepatite aguda viral e lesão causada por isquemia ou paracetamol; sugere-se que, em elevações de aminotransferases acima de 5 vezes o limite superior, uma relação ALT/DHL maior que 1,5 sugere hepatite viral
- valores normais: 24-480 U/L

MARCADORES DE COLESTASE
Colestase é a diminuição ou interrupção do fluxo da bile, seja por problemas na sua produção pelo fígado ou por bloqueios nos ductos biliares que transportam a bile para o intestino delgado. Isso causa o acúmulo de bilirrubina na corrente sanguínea, levando a sintomas como icterícia (pele e olhos amarelados), urina escura e coceira na pele.

Fosfatase alcalina (FA ou FALC)
- trata-se não de uma enzima, mas de uma família de enzimas, presente em praticamente todos os tecidos; no fígado, é encontrado principalmente nos microvilos dos canalículos biliares e na superfície sinusoidal dos hepatócitos
- o aumento da fosfatase alcalina hepática é mais evidente na obstrução biliar, aonde o acúmulo de sais biliares a solubilizam e a obstrução promove a sua regurgitação entre as células hepáticas até o sangue

- em casos de elevação da fosfatase alcalina aonde não observa-se sinais clínicos ou laboratoriais de doença hepatobiliar, é possível a diferenciação entre as principais isoenzimas (hepática, óssea e intestinal) para localizar a fonte da alteração.
- valores normais variam de acordo com a idade: 1 dia de idade: até 250 U/L; 2 – 5 dias: até 231 U/L; 6 dias – 6 meses: até 449 U/L; 7 meses – 1 ano: até 462 U/L; 2 – 3 anos: até 281 U/L; 4 – 6 anos: até 269 U/L; 7 – 12 anos: até 300 U/L; 13 – 17 anos: até 187 U/L (mulheres) e 390 U/L (homens); adultos: 35 a 104 U/L (mulheres) e 40 a 129 U/L (homens)*
Causas de aumento “isolado” de fosfatase alcalina (sem aumento na GGT) | |
| Aumento da isoenzima hepática | Metástases hepáticas ou doença infiltrativa Cirrose biliar primária Colelitíase Colestases intra hepáticas progressivas familiares tipo 1 e 2 Aumento discreto com a idade |
| Aumento da isoenzima óssea | Fisiológica (infância, puberdade, pós-menopausa) Doença osteoblástica (Paget, osteomalacia, metástases) |
| Aumento da isoenzima intestinal | Doença hepática (cirrose) Diabetes mellitus Insuficiência renal crônica Doença intestinal ( linfoma, doença cadeia a ) Fisiológica ( discreta ) – aumento com ingesta de gorduras Secretores de sangue grupo O e B |
| Isoenzima placentária | Gestação normal Doença maligna (discreto) Cirrose infantil indiana |
| Formas variantes ou não usuais | Ligada a imunoglobulinas (doença autoimune, doença inflamatória intestinal) Derivada de tumores ( ovariano, testicular, hepatocarcinoma ) Fígado-símile mais osso (hiperfosfatasemia benigna transitória – aumento severo) |
| Geneticamente determinado | Qualquer das isoenzimas |
Gama glutamiltransferase (GGT)
- é uma enzima encontrada em grande quantidade no fígado, rins, pâncreas, intestino e próstata, mas também está presente em vários outros tecidos
- apesar de elevações muito grandes estarem associadas principalmente a câncer primário ou secundário do fígado e a obstrução biliar, alterações menores são poucos específicas de doenças do fígado; por outro lado, é um marcador muito sensível de doença hepática, pois está alterado em 90% dos portadores de doença hepatobiliar
- observa-se que cerca de 15% das pessoas tem a GGT acima dos valores considerados normais sem a presença de qualquer doença, mesmo com valores acima de 100 U/L
- elevações da GGT também podem estar associadas, sem nenhum significado patológico, ao uso de álcool e algumas medicações
- valores normais: 8 a 41 U/L (mulheres) e 12 a 73 U/L (homens)*
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Causas de aumento plasmático de gama glutamiltransferase | |
| Doença hepatobiliar | |
| Doença pancreática | |
| Álcool | |
| Drogas ( especialmente indutores enzimáticos, como barbitúricos) | |
| Doenças não hepatobiliares com envolvimento hepático (aumento leve) | Anorexia nervosa Distrofia miotônica Síndrome de Guillain-Barré Hipertireoidismo Síndrome metabólica Após infarto do miocárdio Porfiria cutânea tarda |
| Doença neurológica (aumento leve) | |
| Doença maligna / radioterapia | |
Bilirrubinas
- A bilirrubina, principal componente dos pigmentos biliares, é o produto final da destruição da porção “heme” da hemoglobina e outras hemoproteínas. A primeira bilirrubina a ser produzida nesse processo é a bilirrubina indireta (também chamada de bilirrubina não conjugada). Essa bilirrubina sofre o processo de conjugação e passa a ser bilirrubina direta (ou conjugada);

- os termos “direta” e “indireta” referem-se ao método laboratorial criado em 1916 por van den Bergh e Muller para diferenciar a bilirrubina conjugada da não conjugada – os termos persistem até hoje, mesmo gerando uma certa confusão desnecessária;
- o aumento da bilirrubina indireta, portanto, é causado pelo aumento da degradação do heme ou deficiência da conjugação no fígado;
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Causas de hiperbilirrubinemia |
| Não-conjugada (pré-microssomal) Produção excessiva de bilirrubina (hemólise) Hematopoese inefetiva Distúrbios hemolíticos Metabolismo anormal de bilirrubina (congênito) Imaturidade dos sistemas enzimáticos Icterícia fisiológica do recém nascido Icterícia da prematuridade Defeitos herdados Síndrome de Gilbert Síndrome de Crigler-Najjar Efeito de drogas |
| Conjugada e não conjugada (pós-microssomal) Distúrbio hepatocelular Doença hepatocítica primária (cirrose, hepatite, neoplasia, drogas) Colestase intra-hepática (drogas, colestase) Icterícia pós-operatória benigna Hiperbilirrubinemia conjugada congênita Síndrome de Dubin-Johnson Síndrome de Rotor Obstrução mecânica dos ductos biliares (icterícia obstrutiva) Extra-hepática (cálculos, neoplasia, estenose, atresia) Intra-hepática (colangiopatia obstrutiva infantil, colangite esclerosante, CBP) |
- o aumento da bilirrubina direta é causado principalmente por deficiência na eliminação da bilirrubina pela bile;
- o aumento de ambas pode ser causado por obstrução do fluxo de bile (mas com predomínio do aumento da bilirrubina direta) ou por lesão mais intensa dos hepatócitos (onde há deficiência na conjugação e também refluxo da bilirrubina conjugada para o sangue);
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Causas de aumento da bilirrubina conforme a bilirrubina predominantemente aumentada | |||||
| Bilirrubina não-conjugada (indireta) | Bilirrubina conjugada (direta) | ||||
| Aumento da produção de bilirrubina | Hemólise | Eritropatias | Doença do fígado | Doença hepatocelular (ex: hepatites) | |
| Hiperesplenismo, autoimune | Doença colestática (ex: CBP) | ||||
| Eritropoese ineficaz (ex: talassemias) | Distúrbio do metabolismo | S. de Dubin-Johnson | |||
| Destruição de hematomas | Síndrome de Rotor | ||||
| Redução da conjugação | Hiperbilirrubinemia neonatal | Colestase benigna | |||
| Jejum | Colestase da gravidez | ||||
| Síndrome de Gilbert | Doenças extra-hepáticas | Doença do trato biliar (ex: tumor) | |||
| Síndromes de Crigler-Najjar | Doença pancreática (ex: carcinoma) | ||||
- assim, a dosagem das bilirrubinas é um exame que pode avaliar ao mesmo tempo lesão hepatocelular, fluxo biliar e função de síntese do fígado;
- valores normais em adultos: total : 0,20 a 1,00 mg/dL; direta : 0,00 a 0,20 mg/dL; indireta: 0,20 a 0,80 mg/dL*
- valores normais da bilirrubina total em recém-nascido prematuro: 1 dia: 1,00 a 8,00 mg/dL; 2 dias: 6,00 a 12,00 mg/dL; 3 – 5 dias: 10,00 a 14,00 mg/dL*
- valores normais da bilirrubina total em recém-nascido a termo: 1 dia: 2,00 a 6,00 mg/dL; 2 dias: 6,00 a 10,00 mg/dL; 3 – 5 dias: 4,00 a 8,00 mg/dL*
MARCADORES DE SÍNTESE HEPÁTICA
Fatores da coagulação e atividade de protrombina
- o fígado tem papel central no sistema de coagulação do organismo;
- sintetiza a maioria dos fatores e inibidores da coagulação, além de algumas proteínas do sistema fibrinolítico e elimina enzimas ativas dos sistemas de coagulação e fibrinólise; assim, doenças hepáticas severas costumam cursar com alterações na coagulação;

- a falta de fatores da coagulação podem ocorrer por perda da função dos hepatócitos, mas também por falta de “matéria prima” para a sua síntese – a síntese da maioria dos fatores de coagulação é dependente da vitamina K, que não é produzida no nosso organismo e precisa ser absorvida da dieta;
- a absorção da vitamina K é dependente da presença de sais biliares; na cirrose, como diminui a sua produção (especialmente nas doenças colestáticas, como a colangite biliar primária e a colangite esclerosante primária), espera-se no cirrótico algum grau de deficiência dessa vitamina;

- na insuficiência hepática e/ou na deficiência de vitamina K, o primeiro fator a diminuir é o VII, seguido do II, X e IX;
- a síntese do fator V é independente da vitamina K; portanto, uma deficiência dos fatores II, VIII, IX e X sem deficiência do fator V pode indicar suplementação da vitamina K);
- na prática clínica, a determinação da atividade da protrombina (ou tempo de protrombina) é um método simples, barato e facilmente realizável para avaliar o conjunto dos fatores de coagulação e, portanto, da função de síntese do fígado;
- apesar da perda de fatores de coagulação e a redução da quantidade de plaquetas pela hipertensão portal e hiperesplenismo, essas deficiências são compensadas pelo aumento de fatores pró-coagulação, o que faz com que o cirrótico, mesmo com atividade de protrombina reduzida, tenha tendência a coagulação ao invés de sangramento – essa diferenciação é muito importante em algumas situações como cirurgias em portadores de cirrose, e pode ser avaliada pelos exames de tromboelastografia e tromboelastometria;
- os valores normais de tempo de protrombina estão entre 11,1 e 13,2 segundos e são comparados em relação a plasma controle, analisando-se o tempo de atraso em relação ao controle ou através do RNI (international normalized ratio) que normalmente está entre 0,9 e 1,1
Albumina
- a albumina é a principal proteína circulante no organismo humano e é responsável entre outras coisas, pelo transporte de substâncias (entre elas medicamentos) pelo sangue e pela maior parte da pressão coloidosmótica do plasma;
- o fígado é o único órgão responsável pela produção da albumina; reduções na quantidade da albumina no sangue (hipoalbuminemia), no entanto, podem não ser causadas por doenças do fígado, mas também por falta de “matéria prima” para a sua síntese (como nas desnutrições protéicas) ou aumento na sua destruição (estados catabólicos intensos) ou perda (intestinal ou renal);
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Causas de hipoalbuminemia sérica |
| Diminuição de síntese Desnutrição Má absorção Doença hepática Doença maligna |
| Aumento da perda Proteinúria (síndrome nefrótica) Enteropatia perdedora de proteínas – DII Queimaduras Doença exsudativa da pele |
| Aumento do catabolismo Estados hipercatabólicos (traumatismos, pós-cirurgico) |
| Erro da distribuição intra/extravascular (aumento da permeabilidade vascular) Estados inflamatórios (reação de fase aguda) |
| Hiperidratação |
| Variação genética Analbuminemia |
| Síntese interrompida Condições inflamatórias agudas e crônicas |
- como a meia-vida da albumina é relativamente alta (cerca de 20 dias), a redução da síntese pelo fígado pode demorar vários dias para se manifestar laboratorialmente (pela dosagem da albumina no sangue) ou clinicamente (especialmente pela formação de edema e ascite);
- na cirrose, excluindo-se outras causas, a hipoalbuminemia reflete principalmente a redução a síntese pelo fígado com alguma influência da desnutrição, que pode ser decorrente também da doença hepática; assim, a dosagem da albumina sérica tem importância dupla na avaliação do estágio da cirrose, participando do cálculo das classificações de Child-Pugh.
- valores normais: 3,5 a 5,2 g/dL
MARCADORES DE COMPLICAÇÕES E ESTADIAMENTO DA DOENÇA HEPÁTICA
Marcadores laboratoriais de fibrose hepática
Todas as doenças hepáticas crônicas evoluem basicamente do mesmo modo: há lesão de células, ativação da regeneração, formação de cicatrizes que vão se acumulando com o tempo e, se o processo continuar ao longo de anos, desenvolve-se a cirrose.

Frente ao paciente com doença hepática, é necessário esclarecer em que estágio o fígado está, se já é cirrose ou se está progredindo ao longo do tempo (o que é importante para esclarecer se o tratamento realizado está funcionando).
Há diversos modos de usar exames laboratoriais para estimar o grau de fibrose hepática. Para isso calculamos escores, que são sistemas de pontuação baseados em resultados dos exames. Há muitos desses criados para avaliação do fígado, sendo que alguns são melhores para uma doença do que para outra. Como calcular escore diferente para cada doença é pouco prático, a maioria acaba sendo utilizada apenas em protocolos de pesquisa.
- O FIB-4 é um exame relativamente simples, calculado (há diversas calculadoras online e em aplicativos) apenas com idade do paciente, AST, ALT e contagem de plaquetas. Pela simplicidade, foi escolhido por sociedades internacionais como o escore a ser utilizado no consultório para diferenciar quem provavelmente não tem fibrose significativa de quem tem alto risco de fibrose avançada (e indicar a necessidade de exames mais precisos, como a elastografia ou biópsia hepática).

- o APRI (índice da relação aspartato aminotransferase sobre plaquetas) é mais simples que o FIB-4, já que precisa apenas de AST e plaquetas. Ainda é o escore utilizado para liberação de medicamentos para hepatite C pelo SUS no Brasil. Um resultado < 0,5 descartaria fibrose significativa, enquanto > 1,5 sugere fibrose avançada.

- o FibroTest® utiliza cinco variáveis (bilirrubina total, GGT, haptoglobina, alfa-2-macroglobulina e apoliproteina A1), com resultado entre 0 e 1, procura-se estimar o grau de fibrose hepática. É muito preciso para o diagnóstico de ausência (com resultado < 0,1) ou presença (>0,6) de fibrose significativa, mas é pouco útil na avaliação de estágios intermediários; infelizmente, é vendido como “pacote”, não dá para calcular em consultório, portanto na prática não é muito utilizado.
Classificação de Child-Pugh
É um escore clínico-laboratorial criado inicialmente para avaliar o risco de óbito em pacientes cirróticos submetidos a cirurgia. Ainda é o escore mais utilizado na prática clínica para tomada de decisões em relação a pacientes com cirrose.
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Classificação de Child-Pugh1 | |||
| Encefalopatia hepática2 | ausente | 1-2 | 3-4 |
| Ascite | ausente | leve | moderada/severa |
| Albumina | > 3,5 | 3,0-3,5 | < 3,0 |
| Bilirrubina total3 | < 2,0 | 2,0-3,0 | > 3,0 |
| Tempo de protrombina4 | 1-4 | 4-6 | > 6 |
| Pontos: | 1 | 2 | 3 |
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A: 5-6 pontos |
B: 7-9 pontos |
C: 10-15 pontos |
MELD/PELD
O MELD (Model for End-Stage Liver Disease) e o PELD (Pediatric End-Stage Liver Disease) são sistemas de pontuação utilizados para avaliar a gravidade da doença hepática e estimar o risco de mortalidade em pacientes com falência hepática. O MELD foi desenvolvido inicialmente para prever o prognóstico após colocação de TIPS, mas rapidamente se tornou a principal ferramenta para priorização de pacientes adultos na lista de transplante hepático. Já o PELD é sua versão adaptada para crianças, levando em conta características específicas como idade, crescimento e albumina, refletindo particularidades da doença hepática pediátrica. Ambos os escores utilizam dados laboratoriais objetivos — como bilirrubina, INR e creatinina — para calcular um valor numérico que representa a gravidade da doença.

Na prática, quanto maior o valor do MELD ou PELD, mais grave é a doença hepática e maior a necessidade de transplante. Esses escores ajudam a garantir justiça e transparência na distribuição de órgãos, priorizando os pacientes com maior risco de mortalidade a curto prazo. Eles também são úteis para acompanhamento clínico, tomada de decisões terapêuticas e estimativa de prognóstico, permitindo que equipes médicas identifiquem e encaminhem precocemente os pacientes que podem se beneficiar de avaliações especializadas para transplante hepático.

Nos últimos anos, avanços têm complementado e aprimorado esse sistema tradicional. O MELD-Na incorporou o sódio sérico, melhorando a precisão prognóstica em pacientes com cirrose avançada. O MELD 3.0 é a versão mais recente do escore MELD ( Model for End‑Stage Liver Disease ), criado para estimar o risco de mortalidade a curto prazo em pacientes com doença hepática crônica grave e para priorização de transplante. Essa nova versão incorpora variáveis adicionais que não estavam no MELD clássico ou no MELD‑Na — por exemplo, o sexo do paciente (com atribuição de pontos adicionais para mulheres) e o nível de albumina sérica. Além disso, houve ajustes nas funções logarítmicas e nos limites máximos de creatinina (ex: teto menor) para melhorar a precisão. No futuro breve, provavelmente utilizaremos biomarcadores adicionais, inteligência artificial e modelos ajustados para diferentes etiologias e contextos clínicos.
Alfa-fetoproteína
A alfa-fetoproteína (AFP) é uma glicoproteína produzida normalmente durante o desenvolvimento fetal, mas que pode voltar a ser detectada em adultos em algumas condições hepáticas. Níveis elevados de AFP são encontrados em aproximadamente 40–60% dos pacientes com carcinoma hepatocelular (CHC) — valores historicamente citados como 70–90% têm sido revisados com o tempo devido ao diagnóstico mais precoce e à maior proporção de tumores que não secretam AFP. Embora a AFP possa estar elevada no câncer do fígado, ela não é específica, podendo aumentar também em hepatite crônica com inflamação ativa, cirrose descompensada, gestação e em alguns tumores germinativos. Além disso, uma parcela significativa dos CHCs não cursa com aumento de AFP, especialmente tumores pequenos e bem diferenciados.

Por muitos anos, a associação de ultrassonografia abdominal com dosagem periódica de AFP foi recomendada para rastreamento do CHC em pacientes cirróticos, pois a combinação aumenta a sensibilidade para detecção de lesões. No entanto, diretrizes mais recentes priorizam o uso exclusivo da ultrassonografia como método primário de rastreamento, realizada a cada 6 meses, dado o desempenho limitado e variabilidade da AFP. Ainda assim, a AFP continua sendo utilizada em muitos centros e por muitos clínicos, seja por fatores logísticos, disponibilidade de exames, ou como recurso complementar — sobretudo em serviços onde há dificuldade operacional com ultrassom sistemático ou quando há suspeitas clínicas adicionais.
Em situações específicas, como tumores infiltrativos, doença avançada, ou lesões indeterminadas, valores elevados de AFP podem contribuir para o diagnóstico e estadiamento, especialmente quando muito elevados (ex.: >400 ng/mL). Além disso, valores acima de 1.000 ng/mL em portadores de câncer de fígado indicam alta probabilidade de disseminação do tumor e contraindicam o transplante hepático.
MARCADORES GENÉTICOS DE RISCO DE DOENÇA HEPÁTICA AVANÇADA
Nos últimos anos, descobertas na área da genética têm mostrado que algumas pessoas nascem com maior tendência a desenvolver doenças do fígado, especialmente a esteatose hepática metabólica (o antigo “fígado gorduroso”). Esses genes não “determinam” sozinho que alguém terá a doença, mas aumentam o risco quando se combinam com fatores como obesidade, diabetes, sedentarismo, alimentação inadequada e consumo de álcool. Entre esses genes, o mais conhecido é o PNPLA3 — pessoas que herdam duas cópias da variante de risco podem ter até duas a três vezes mais chance de evoluir com inflamação do fígado, cicatrização (fibrose) e até cirrose ou câncer de fígado ao longo da vida. Essa variante é mais comum em populações da América Latina, incluindo o Brasil, o que torna o assunto ainda mais relevante para nós.
Outros genes também influenciam esse risco. A variante do gene TM6SF2, por exemplo, aumenta a gordura no fígado e o risco de fibrose, enquanto o gene MBOAT7 está ligado a maior inflamação em algumas pessoas. Em contrapartida, existe um gene chamado HSD17B13, cuja variante parece proteger contra inflamação e cicatrização do fígado — ou seja, algumas pessoas têm uma “genética protetora”. Essas descobertas reforçam uma ideia importante: duas pessoas com hábitos parecidos podem ter evoluções bem diferentes, porque a genética modifica o impacto dos fatores de risco.

Apesar do interesse crescente, os testes genéticos ainda não são indicados para todo mundo. Hoje, eles têm maior utilidade em situações específicas, como em pesquisas, em pessoas jovens com gordura no fígado fora do comum, ou quando há histórico familiar de doença hepática sem causa aparente. Mesmo quando um gene de risco está presente, mudanças no estilo de vida — como perder peso, melhorar a alimentação, tratar diabetes e evitar álcool — continuam sendo a estratégia mais eficaz para prevenir a progressão da doença.
No futuro, espera-se que esses marcadores genéticos ajudem médicos a identificar precocemente quem tem maior risco e, talvez, escolher tratamentos personalizados — uma abordagem chamada medicina de precisão. Por enquanto, a mensagem principal permanece: a genética pode aumentar ou reduzir o risco, mas os hábitos de vida e o acompanhamento médico regular são os fatores mais importantes para proteger o fígado.
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OBSERVAÇÕES
* Os intervalos considerados como referência nesse artigo são os utilizados pelo Laboratório Fleury apenas para fins didáticos. Esse intervalo pode variar de acordo com o método e aparelhagem utilizados, portanto é mais confiável se basear nas referências do laboratório onde o exame foi realizado. Não há nenhuma relação comercial entre o Hepcentro e o Laboratório Fleury.

